12 de março de 2008

Pulmões e Cérebros

Thomaz Wood Jr. - Revista Carta Capital nº 468 de 31/10/2007

O fumo está para o pulmão assim como a televisão está para o cérebro.
A batalha contra o tabaco está em estágio avançado. A luta contra a tevê apenas começa.

Estima-se que haja no mundo mais de 1 bilhão de fumantes. Cinco milhões de indivíduos morrem por ano por causas relacionadas ao tabaco. Nos anos 1940, o cigarro ganhou glamour, com uma ajuda providencial do cinema, e tornou-se produto de massa. Na década de 1950, surgiram os primeiros estudos relacionando tabaco a câncer de pulmão. Os fabricantes reagiram com um intenso esforço de lobby e relações públicas. Nas décadas seguintes, o embate intensificou-se. Nos países desenvolvidos, cresceu o cerco aos fumantes e o vício passou a ser estigmatizado. Além do mal causado a si mesmo, o fumante socializa o prejuízo com seus pares – os fumantes passivos – e com o sistema de saúde. Todos pagamos por seu duvidoso prazer. Entretanto, apesar do esforço de ativistas e legisladores, a indústria do tabaco continua a crescer, especialmente nos países em desenvolvimento, o que reflete o poder das corporações envolvidas, tanto quanto a ignorância e a incivilidade dos fumantes.
O cigarro atinge o pulmão. A tevê atinge o cérebro. Não são poucas as similaridades entre as duas pragas. Ambos são fenômenos de massa, de escala mundial; têm efeitos danosos conhecidos; envolvem grandes interesses econômicos; são associados ao lazer e ao prazer; e controlam lobbies poderosos. As diferenças também são significativas, com vantagem para a pequena tela. A tevê atinge praticamente toda a população da Terra, é fonte de poder e influência, constitui moeda de troca em barganhas políticas e emprega certa classe artística, muito hábil e criativa na defesa de seus interesses.
Ativistas antitevê não costumam se iludir. Eles conhecem o monstrengo que enfrentam e são modestos em suas expectativas. Em lugar de propor banir o meio, o que só um improvável surto de iluminação e civilidade poderia viabilizar, eles buscam objetivos mais realistas, tais como coibir o abuso na publicidade e controlar as horas de exposição de crianças ao efeito hipnótico do lixo eletrônico. Quem se dispuser a realizar uma pesquisa em periódicos científicos acerca da influência da tevê sobre crianças e adolescentes encontrará um quadro alarmante. A maioria esmagadora dos artigos trata de impactos negativos do meio sobre a sociabilidade, os comportamentos, o desempenho escolar e a alimentação.
Em um estudo pioneiro publicado na década de 1970 no Journal of Communication, Patricia Edgar, uma especialista australiana, pesquisou 296 famílias sem televisão. As conclusões foram expressivas. O grupo estudado constituía uma elite econômica e cultural. Os adultos eram mais escolarizados e ganhavam mais do que a média da população. Mais de 90% eram membros de clubes e outras organizações e 96% afirmavam ter muitos livros em casa. Mais de 40% tocavam instrumentos musicais e mais de 60% apreciavam música clássica. Quase todas as famílias justificavam a opção, por crer que o tempo deve ser ocupado com atividades mais nobres do que assistir à tevê. Alguns dos entrevistados registraram o sentimento de frustração e inutilidade que sentiam quando passavam algum tempo diante da pequena tela.
Outros compararam a sensação de assistir à tevê ao consumo de drogas: a atividade reduz a sensibilidade e provoca uma preguiçosa inércia, além de restringir e condicionar a dinâmica familiar. Segundo os respondentes, a vida comunitária estava se deteriorando e parte da responsabilidade era da televisão. Com menos tempo e disponibilidade para contato pessoal, os indivíduos tornavam-se menos sensíveis aos problemas dos vizinhos e menos inclinados a atuar em seu meio social.
Desde a década de 1970, muita coisa mudou (para pior): surgiram a tevê shopping, a tevê a cabo, a digital e os canais especializados. O poder de sedução aumentou. O escritor Gore Vidal, na pele da inesquecível personagem Myra Breckinridge, em livro dos anos 1960, descreve a primeira geração da televisão como um ajuntamento de criaturas pálidas e desatentas, incapazes de enfrentar leituras mais complexas do que textos de tablóides e aptas a reagir somente ao ritmo frenético dos comerciais. As novas gerações são ainda mais pálidas e incapazes de articular idéias. Elas são conformistas, individualistas, avessas a esforços intelectuais, impacientes, culturalmente rasas e consumistas. A tevê certamente não é a única vilã, mas não se pode menosprezar sua capacidade de imbecilizar a audiência.

Como registrou Sergio Augusto nas páginas da revista Bravo! (dos bons tempos): "A tevê não suporta conversa séria, profunda e consistente. Tudo nela descamba para o circo". Na arquibancada, a platéia dócil e narcotizada grunhe, baba e ronca.

Nenhum comentário: